quinta-feira, 9 de julho de 2009

O ponto de partida: a queda de Zacarias de Góis e o declínio da instituição monárquica.

A moderna idéia republicana aportou no Brasil ainda colonial do século XVIII. Foi vista como inconfidência, conjura, revolução. Esteve entre as abomináveis idéias francesas de igualdade e liberdade, também entre as idéias federalistas norte-americanas. O republicanismo no final do século XIX passou de revolução a partido armado, dos militares; depois partido da ordem, oligárquica, pela política dos governadores de Campos Salles. O ponto de partida da passagem da monarquia à República no Brasil não foi, segundo os historiadores, um movimento popular, mas a perda da credibilidade política de D. Pedro II em relação ao lugar que deveria ocupar no sistema parlamentarista e liberal que a Constituição de 1824 havia deixado na forma da lei. A queda do gabinete de Zacarias de Góis assinala o momento em que o "imperialismo" de D. Pedro II foi desnudado, contribuindo para iniciar o movimento que iria por fim ao seu reinado em 15 de novembro de 1889.

Dois pensadores da História do Brasil,Oliveira Vianna e Sérgio Buarque de Holanda, considerados distantes quanto às suas posições ideológicas, entenderam a ação de D. Pedro II na derrubada de Zacarias de Góis, em 1868, como um momento em que as instituições políticas da monarquia passaram desapercebidas pelo imperador, conduzindo o regime monárquico a uma crise, depois de um período de estabilidade marcado pela “política de conciliação” da década de 1850. Este acontecimento, porém, assumiu conotações distintas entre os dois historiadores.

O primeiro percebeu a queda do gabinete Zacarias, após seis anos de predomínio liberal, longe de qualquer ação de improbidade ou falta de iniciativa em governar. A sua saída da chefia do governo teria sido provocada por uma questão puramente ligada aos interesses partidários. Isso teria ficado claro no episódio que marcou o ponto final da sua permanência à frente do ministério. A recusa em aceitar a escolha, em lista tríplice, de Sales Torres Homem para o Senado pelo Rio Grande do Norte, algo de exclusiva atribuição do Poder Moderador, mas que causou ressentimento ao chefe do partido liberal, que se sentindo desautorizado ao ver seu voto preterido pelo imperador apresentou a demissão coletiva do seu gabinete. Esta teria sido para Oliveira Vianna uma demonstração da dificuldade de Zacarias de Góis em conquistar uma posição de estadista, restando-lhe apenas a condição de homem de partido.

A decisão de D. Pedro II de convocar o conservador Visconde de Itaboraí para substituí-lo, tendo em seguida dissolvido a Câmara dos Deputados e convocado novas eleições, mesmo sabendo que o governo em exercício contava com o apoio e a confiança do parlamento, embora aparentemente dentro dos padrões da política brasileira do século XIX, mereceu o seguinte comentário de Oliveira Vianna:

“Fossem quais fossem os motivos que levaram o imperador a esta atitude, o certo é que este seu ato determinou uma mudança geral no sistema de crenças e idéias dominantes no mundo político de então. Daí por diante começamos um duplo fenômeno: a descrença progressiva nas virtudes do sistema monárquico-parlamentar e uma crescente aspiração por um novo regime, uma nova ordem de coisas”.

A intervenção promovida por D. Pedro II repercutiu então como uso do “poder pessoal”, em detrimento da pura função institucional que caberia ao imperador de acordo com os poderes constituídos, cabendo a esta atitude uma reação inédita da opinião pública dos maiores centros urbanos do país. No entanto, “só os que ignorassem os nossos costumes políticos”, observou Oliveira Vianna, “poderiam supor possível que o Poder Moderador, supremo regulador do sistema parlamentar, pudesse funcionar aqui com a mesma perfeição com que funcionava entre os ingleses”. É desta maneira que o autor de O ocaso do Império introduz a discussão sobre a nossa falta de substância em direitos civis e políticos, a seu ver flagrante, visto que os grandes proprietários de terras controlavam os eleitores e corrompiam as eleições. O modo usual de vencer os pleitos eleitorais no Brasil imperial se dava através de expedientes fraudulentos, como a “eleição a bico de pena”, o uso do “capanga” e do “fósforo”. Na visão de Oliveira Vianna, a política oitocentista era oligárquica, pura expressão de interesses exclusivistas, verdadeiro “Estado de natureza” em sua violência afrontosa e cotidiana. Os dois partidos do Império “não tinham opinião, não tinham programas”, teriam como objetivo único a conquista e a manutenção do poder. Isso tudo seria resultado da permanência de uma sociedade patriarcal, sem estrutura de classes, na qual existiria apenas um “povo sem educação eleitoral” e de “opinião embrionária”.

Em meio a esta descrição surge o elogio a D. Pedro II como uma espécie de “fiel da balança”, num mundo cercado pelas intenções menores dos clãs oligárquicos. Ao contrário da interpretação de Tito Franco de Almeida acerca do “imperialismo” do monarca, que procurou demonstrar como este manteve a vida pública à sua sombra pelos longos (quase) cinqüenta anos de reinado (1840-1889), Oliveira Vianna o via como um homem que havia lutado por “cinqüenta anos contra o partidarismo, o nepotismo, o favoritismo, a politicagem dos ministros”. Evocando Pareto, Vianna afirmou que a intenção do imperador era proceder numa “política rotativa”, com o objetivo de evitar o encastelamento das máquinas partidárias no corpo do Estado, perfazendo aquilo que o sociólogo italiano chamou de “circulação de partidos”. Iniciada em 1868, a crise da monarquia teria sido causada por uma percepção errônea acerca do exagero do poder pessoal. As últimas décadas do século XIX, no entanto, ao apontarem para a necessidade de reformas e inovações profundas, deixaram transparecer a imagem de inaptidão de um soberano oriundo de uma casa reinante saída dos tempos coloniais, causando assim uma penetrante desilusão em relação à instituição monárquica, que a levaria ao fim.

O perfil que Oliveira Vianna traça de D. Pedro II não é senão a defesa de um poder centralizado que atuasse no sentido de desfazer a constante tendência de oligarquização do espaço público, que se afigura como a própria feição de um espaço político não democrático. Na apreensão da personalidade política do imperador revelam-se as escolhas ideológicas de Oliveira Vianna, que demonstra assim a sua visão depreciativa das possibilidades de sucesso da democracia representativa, considerando-a mero produto de uma visão idealizada da realidade nacional.
A imbricação entre o funcionamento do sistema político e o ambiente social em que ele esteve investido também marcou a reflexão de Sérgio Buarque de Holanda, tendo este último escrito que:

“É também no ocaso do Império que vão aparecer mais nitidamente as contradições de um sistema pretensamente parlamentarista, mas onde a decisão última cabia ao chefe de Estado, que em algumas oportunidades a tomou de forma ostensiva. De vez que a explicação para a queda de um ministério, que dispunha de maioria na câmara, ou para sustentação de outro que a não tinha, era dada, quando muito, a círculos restritos, e não resultava, senão raramente, de acurada investigação ou debate de órgãos responsáveis, ficava o imperador”.

Além disso, Sérgio Buarque de Holanda observou que tendo ocorrido em meio a Guerra do Paraguai, conflito em que as tropas brasileiras foram comandadas pelo Duque de Caxias, um militar que exercera a chefia do governo pelo Partido Conservador em duas ocasiões até aquele momento (1856-1857 e 1861-1862), o pedido de demissão de Zacarias de Góis abria a oportunidade para se colocar os conservadores novamente no poder, possibilitando uma maior sintonia entre os poderes civil e militar. A presença do imperador no centro do jogo político, agindo de maneira proeminente para fazer e desfazer ministérios, num momento em que este tipo de conduta já havia sido contida nos países parlamentaristas, mostrava, ao contrário da astúcia política do monarca, salientada por Oliveira Vianna, a ausência de uma opinião pública mais definida e disposta a sustentar uma cultura democrática.

Um comentário:

Unknown disse...

Desculpa, mas a impressão que fica é a de que leste de fato "O Ocaso do Império". A visão que Oliveira Viana dá de PII e do Parlamentarismo Monárquico no Brasil é o oposto da exposta no seu texto.


Não há também NENHUMA citação ao momento dramático na Guerra do Paraguai, quando Caxias (senador, conservador, então chefe dos exércitos aliados) precisava de todo o apoio possível para reestruturar os exércitos após a derrota em Curupaiti, que pulverizou nossas forças. Vá procurar ver quem era este senador apontado por Zacarias de Gois e Vasconcelos, e quem era o escolhido por PII (ato LEGAL, totalmente previsto pela constituição). Quem fez uso de "politicagem" foi Zacarias, ao apontar um caipirão apenas por ser liberal, com o claro intuito de enfraquecer a posição de Caxias.

PII era das figuras mais democráticas e esclarecidas da nossa história, e fez o que foi possível ser feito dentro de seu contexto histórico e local. Classificá-lo como "oligarca" é uma demonstração de ignorância sem tamanho; negada não só por Oliveira Viana, como Machado de Assis, Lima Barreto, Eduardo Prado, Joaquim Nabuco, entre outros. Inclua também o atual José Murilo de Carvalho, com "Os Bestializados" e "Formação das Almas".