quinta-feira, 30 de abril de 2009

O Ensino Secundário na Era Vargas: invenção de um legado.



O número de brasileiros que prosseguiam os estudos além do primário, entre 1920 e 1940, embora pequeno, havia dobrado. A reforma do Ensino Secundário tornava-se, depois da revolução de 1930, uma das prioridades do governo federal. Desde a gestão Francisco Campos (1931-32) queria-se evitar que este segmento se caracterizasse como um ensino propedêutico, um curso de passagem ao Ensino Superior. Com tal objetivo, introduzida a seriação, foram criados dois ciclos de estudo, o fundamental com cinco anos e o complementar com dois. O interesse em estruturar o nível secundário, assim como a preocupação em criar o ensino universitário, superando o modelo de escolas autônomas e de formação profissional, introduzidas no Brasil por D. João VI em 1808, inclusive com a criação das primeiras faculdades de formação de professores, demonstra a vontade em renovar a formação das elites, que na Primeira República, via de regra, se fazia pela freqüência às faculdades de Direito, que ofereciam a socialização e a técnica necessárias à profissionalização da atividade política.

A modernização do ensino secundário encerrou definitivamente a era dos estudos parcelados, exclusivamente preparatórios ao ensino superior, e abriu a perspectiva de tê-lo, a partir de então, como um espaço mais amplo de formação do caráter. O relatório entregue ao “Senhor chefe do governo provisório” apresentando a sua reforma deixa isso claro:

“De todos os ramos de nosso sistema de educação, é exatamente o ensino secundário o de maior importância, não apenas do ponto de vista quantitativo, como do qualitativo, destinando-se ao maior número e exercendo, durante a fase mais propícia do crescimento físico e mental, a sua influência na formação das qualidades fundamentais da inteligência, do julgamento e do caráter”.

Concebido com um caráter enciclopédico, o Ensino Secundário da Reforma Campos teria 13 matérias obrigatórias e uma facultativa (Alemão) na sua primeira parte, depois se desdobrando em turmas para candidatos aos cursos de Direito, Ciências Médicas e Engenharia.

Anos depois, a administração de Gustavo Capanema aprofundou a relação entre o ensino secundário e a formação do caráter nacional, pensando e levando a termo a construção de uma elite meritocrática, imbuída dos valores da civilização ocidental pela suas fontes clássicas.

Conservando os sete anos de estudos no secundário, a reforma Capanema abandonou a divisão entre um curso Fundamental de cinco anos e um Complementar de dois, para introduzir um curso Ginasial de quatro anos seguido pelas opções do Clássico e do Científico, ambos com três anos de duração. Em seu currículo oferecia o Canto Orfeônico e o Latim nas quatro séries do Ginasial. O Latim voltava a ser estudado nas três séries do Clássico, que também trazia o estudo do Grego. Enquanto isso, as Ciências Naturais ficavam restritas às duas últimas séries do Ginasial, reaparecendo como Biologia no último ano do Clássico e nos dois últimos anos do Científico.

Inspirada na ideologia do nacionalismo autoritário de Francisco Campos, a reforma de 1942 partilhava, ainda que tardiamente, a idéia de que uma mudança inevitável nos rumos da história mundial, provocada pela falência das instituições liberais e a ascensão política das massas, levava à necessidade de um Estado forte e promotor da ordem. Em uma conferência de 1935, Francisco Campos apresentava esse argumento ao público presente e enfatizava a importância da educação diante da crise das democracias:

“Esse mundo está mudando à nossa vista, e mudando sem nenhuma atenção para com as nossas idéias e os nossos desejos. Nele a nossa geração não encontra resposta satisfatória às questões que aprendeu a formular (...). Que esta é a situação em que nos encontramos há mais de vinte anos é o que mostra, com relevo extraordinário, o movimento que se vem operando na educação. A esta é que incumbe, com efeito, adaptar o homem às novas situações. Nenhum setor, portanto, refletirá com mais fidelidade a inquietação contemporânea do que aquele cuja função consiste precisamente em adaptar o homem ao ambiente espiritual do nosso tempo”.

Qual seria o “ambiente espiritual do nosso tempo” ? A transição do individualismo à política de massas. Francisco Campos entendia que a participação das massas na política, devido a sua “fascinação” pela “personalidade carismática”, trazia elementos até então inéditos no pensamento político. O primeiro deles era a incapacidade da democracia liberal em lidar com essas mudanças, pois o “regime político das massas é o da ditadura”. O Estado Nacional surgido com a revolução de 1930 viveu o drama da adaptação a essa nova era, correndo o risco das massas emergentes aceitarem a pior das ditaduras: o comunismo. O Estado Novo corrigia esse problema, integrando “o país no senso das suas realidades e no quadro das suas forças criadoras”.

As concepções educacionais da década de 30 foram lidas a partir do drama descrito por Campos. Os renovadores liberais, suas propostas para democratizar a escola e organizar o conhecimento a partir de uma postura ativa dos alunos, não percebiam o idealismo de suas propostas. Os católicos estavam mais afinados com o novo Estado Nacional, que propunha a refundação do Brasil indo às suas origens. O discurso proferido por Gustavo Capanema durante as comemorações do centenário do Colégio Pedro II, em dezembro de 1937, logo após o golpe de Estado que selou o fim da democracia orientada pela Constituição de 1934, agrega-se a essa forma de entender as disputas no campo pedagógico das décadas de 1930 e 40, sendo uma das melhores exposições sobre a orientação dada pelo ministro à política educacional do regime autoritário de Vargas.


Bibliografia:

ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder (bacharelismo liberal na Primeira República). São Paulo: Brasiliense, 1987.

ROMANELLI, Otaíza. História da Educação no Brasil (1930-1973). Petrópolis: Vozes, 1980.

CAMPOS, Francisco. Reforma do Ensino Secundário. In. Educação e cultura. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio Editora, 1941

________________. O Estado Nacional. Brasília: Senado Federal, 2001.

SILVA, Geraldo Bastos da. A educação secundária: perspectiva histórica e teoria. São Paulo: Editora Nacional,1969.

.