sábado, 21 de abril de 2012

Intuições marxianas sobre a mundialização do capital

Depois de um longo período sem escrever nada neste blog, retorno à atividade com um texto sobre um dos grandes pensadores sociais da humandidade, Carlos Marx. Tenham todos uma boa leitura !




 O Manifesto Comunista (1848) trata, entre outras questões, do poder e da abrangência das relações de produção que correspondem ao capitalismo, na fase demarcada pela prevalência do capital industrial.

Nesse contexto histórico, Marx ensaia a discussão acerca de uma característica ímpar do sistema: a mundialização do capital. E esta é vista, nos dias de hoje, como uma de suas páginas mais atuais, embora possamos colocar ressalvas significativas, devido às transformações seguintes na economia mundial, não assistidas por ele, em especial a partir da década de 1890, com a emergência dos Estados Unidos, Alemanha e Japão, colocando vias alternativas para a modernidade capitalista, que não a inglesa da Primeira Revolução industrial.

O Manifesto trabalha o conceito de dominação, retendo-o não apenas no âmbito da exploração do trabalho, mas também das relações espaciais (dominação da cidade sobre o campo, do Ocidente sobre o Oriente) e culturais. De acordo com Marx, a burguesia conseguiu criar um mundo à sua imagem e semelhança, rompendo todas as barreiras que impediam o alargamento de suas fronteiras de negócios. Em um momento inicial, durante a chamada “acumulação primitiva de capitais”, essa expansão ocorreu na forma das atividades comerciais de uma burguesia mercantilista; mas a partir do século XIX, com o triunfo de um novo modo de produção, intensificaram-se as necessidades de uma economia de rápida transformação da natureza, em um mundo cada vez mais cosmopolita. Afinal, a necessidade crescente de criar novos mercados impeliu a burguesia à conquista de todo globo terrestre.

As atuais condições históricas das forças produtivas, considerando-se o incremento conquistado pelo uso das tecnologias virtuais, projetou o capitalismo a um patamar de agilidade e expansividade jamais visto, ao ponto de, com todas as crises, admitirmos em nosso senso comum que as sociedades de mercado sejam as únicas a garantirem liberdade de escolha para os cidadãos. A intuição de Marx no Manifesto Comunista diz que a burguesia imprime um caráter cosmopolista à produção e ao consumo, retirando assim as bases nacionais da indústria. A história posterior do capitalismo parece corresponder a essa sentença. A última década do século XX, depois de um período conturbado de guerras e revoluções, trouxe de volta o mercado em seu formato mais dilacerante. As modernas ideologias de garantia de direitos – e considero aqui, entre elas, o liberalismo em sua acepção clássica – despiram-se de suas utopias mais singelas. Eis que surgem então, com toda a força, o pós-modernismo e o neoliberalismo como expressões culturais/ideológicas de um capitalismo que modifica a relação público-privado.

O século XX conheceu a reformulação do capitalismo em suas áreas centrais, que conquistaram as benesses do Welfare State. Essa reforma teve como contraponto o avançar do socialismo em grande parte do planeta, numa corrida pela melhor das sociedades, típica da Guerra Fria. Antes, no entanto, como saída ao que Eric Hobsbawm chamou de a “era da catástrofe”, dirigentes do mundo capitalista admitiram formas de planejamento econômico e regulação do capital (Keynesianismo), em um contexto de radical encolhimento do mercado e redução no dinamismo das empresas. Sabemos, no entanto, que a “era keynesiana” e o credo no capitalismo administrado pelo Estado entraram em colapso durante a reviravolta causada pelo “choque do petróleo” (1973) e seus efeitos recessivos. David Harvey encontra nesse momento a transição na forma de acumulação capitalista: do fordismo à acumulação flexível. Ou seja, encontra-se nesse ínterim a passagem de um capitalismo que buscava colocar limites ao seu ímpeto de “destruição criativa” para um capitalismo que passou a ver nesse ímpeto o seu próprio futuro.

A passagem do capitalismo regulado pelo Estado a um capitalismo sem rédeas permitiu que as intuições de Marx ganhassem mais sentido. Escrevendo em um tempo em que o capitalismo não estava preparado para gerir suas próprias crises, originando fissuras e situações revolucionárias, como as que tiveram vez em 1848, o autor do Manifesto Comunista afirmou que depois de terem sido criados meios tão eficazes de produção e circulação de mercadorias, “o feiticeiro não consegue controlar os poderes subterrâneos que ele próprio invocou”. O mundo em descontrole descrito por Marx é um mundo em transição. Uma mudança central foi a redefinição das categorias de tempo e espaço, que mais uma vez se vêem em franco processo de mutação.

Por outro lado, não podemos esquecer que a década de 1990, em pleno ápice do neoliberalismo, nas regiões periféricas do capital – a América Latina e o Leste Europeu foram casos exemplares e, igualmente, singulares – a retomada da democracia liberal se fez em meio a projetos de redução da presença do Estado na economia e de abertura econômica acelerada.

No subcontinente latino-americano, a década anterior conheceu a crise da dívida externa e casos crônicos de inflação galopante, que tiveram como resultado a estagnação econômica e a deteriorização dos índices sociais. Depois de reescalonada a dívida e asseguradas novas formas de crédito àqueles que estavam entre os maiores devedores internacionais, assistimos a processos de modernização intensa, acompanhados de rápidos processos de desnacionalização econômica, que coincidiram com a estabilização política e a hegemonia de personalidades, grupos de interesse e partidos, dentro (Menem, na Argentina, 1989-1999; Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, 1994-2002) e fora (Fujimori, no Peru, 1990-2000) da legalidade democrática. Em todos esses governos foi notória a política de privatizações e a flexibilização das relações trabalhistas, tendo como meta o controle inflacionário e a produção do superávit primário.

Na antiga região socialista, a recém-chegada economia de mercado provocou disparidades incríveis, principalmente minando o mercado de trabalho e trazendo o desemprego a milhões de indivíduos. A reunificação alemã sintetiza tudo isso, enquanto o fim a Iugoslávia e da União Soviética fizeram reacender os conflitos étnicos, o nacionalismo armado e o genocídio.

Descartando toda a sorte de mudanças em sua aparência externa, o capitalismo deste fim de século XX mantém a lógica originária descrita por Marx. É um sistema de produção que necessita instrumentalizar o Estado, a fim de que as regras contratuais beneficiem o acúmulo de capital, em especial tratando-se das regiões dependentes da inovação tecnológica do centro capitalista. O núcleo duro do que é o capitalismo está ainda de pé hoje, incrementado pela agenda neoliberal de economistas como Hayek e Friedman, assim como por novas formas de produção e acumulação de capital que vieram substituir o modelo fordista.

Para finalizar, pode-se dizer que os anos de crise e desmoronamento da “era de ouro do capitalismo” (1945-1973) provocaram a inovação sistêmica, no que contribuiu a entrada das Novas Tecnologias de Inovação e Comunicação (NITC) não só como ferramenta produtiva, mas como instrumental ideológico de primeira plaina. O gerenciamento das empresas encaminhou-se no sentido de cortar as vagas de emprego, muitas vezes terceirizando os serviços, o que implicou em uma redução de direitos e valores salarias. Na outra ponta, principalmente a partir da última década do século passado, mais e mais pessoas deram início a atividades por conta própria, especialmente devido à saída prematura do mercado de trabalho formal. De um certo modo, então, esse “novo capitalismo” aproxima-se mais do antevisto por Marx do que daquele que o teórico da revolução socialista deixou de conhecer.