sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Nações e impérios na contemporaneidade oitocentista II

Na Europa do século XIX, o conceito de nação seguiu duas vertentes. A primeira saiu escola do liberalismo, vertente francesa que entendia a nacionalidade como um fenômeno consciente, um gesto político de adesão. A segunda saiu da escola do romantismo, vertente alemã que entendia a nacionalidade como produto de fenônemos estruturantes como a língua e a tradição popular.

A disputa de franceses e alemães pela região da Alsácia ilustra bem esse ponto. Os franceses consideravam a Alsácia francesa, porque seus habitantes teriam se manifestado neste sentido. Os alemães consideravam a Alsácia alemã, porque seus habitantes falavam predominante o alemão.

A Europa do Congresso de Viena, porém, era legitimista e antinacionalista. O que não evitou a tensão nacional, em especial na região do leste europeu, em que o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano, viram-se assediados pelas pequenas nacionalidades. Na fronteira desses dois impérios plurinacionais estava a maior ameaça à paz no Ocidente. E foi exatamente o assassinato de Fernando Ferdinando, em Sarjevo, que provocou a Primeira Guerra Mundial.

O século XIX, no entanto, não iria conhecer a Era dos Impérios por conta desses dois impérios ligados ao passado. Novos impérios estavam a surgir, reorientando fronteiras no mundo colonial. Eram os impérios do imperialismo. Esses impérios retiravam sua força da economia moderna e industrializada. O primeiro deles, o Império Inglês, se projetou com a Primeira Revolução Industrial (1780-1830). Durante algumas décadas, o salto produtivo da economia inglesa tornou-a única e insuperável. A influência de sua política externa tocou em cheio a América Latina, que vivia a era das independências nacionais. O Brasil submeteu-se a um protetorado virtual da Inglaterra. A mudança de marcha da economia mundial, na década de 1870, aprofundou o imperialismo ocidental sobre a Ásia e a África. Era a chegada de um novo tipo de capitalismo, convergindo para as grandes empresas, de tendências monopolistas.

A Segunda Revolução Industrial teve o epicentro na Alemanha, moldou a nova economia capitalista, menos liberal, mais associada ao Estado. Economia mais complexa, com formas de produção cada vez mais tecnológicas. Com isso, os recursos naturais para sustentá-la foram de ordem bem maior do que na revolução industrial inglesa. Abria-se um leque de possibilidades somente sustentado numa exploração da riqueza em escala mundial. A corrida pelas novas fontes de matéria-prima faria com que a África fosse dividida numa intensidade até então desconhecida. Era o processo de roedura do continente.

Continua na próxima postagem.

domingo, 24 de outubro de 2010

Nações e Impérios na contemporaneidade oitocentista I.

Como entender o século XIX sem passar pela história das nações e dos impérios? Um bom ângulo de observação do peso que tiveram estas palavras é o ano de 1815. Para muitos historiadores este ano abre o longo século que se estende até a Primeira Guerra Mundial (1914-1919). São os “cem anos de paz” de Karl Polanyi.

1815 marcou a reviravolta política européia depois da derrota militar de Napoleão Bonaparte. O Congresso de Viena reconfigurou o mapa do continente, obrigando os franceses a devolverem os territórios ocupados, devido ao desfacelamento do Império Napoleônico. O objetivo do congresso era apagar o incêndio revolucionário de 1789, e trazer de volta o Antigo Regime, ao menos no aspecto político/social: restaurar a nobreza enquanto classe dirigente. Apesar das características cesaristas do seu governo, afirmado na mitologia do homem providencial, acima dos partidos e das classes sociais, governando diretamente para o povo-nação, Bonaparte representava parte dos ideais da Revolução Francesa. Em contraste com países feudais como a Alemanha (antes da unificação) ou estamentais como a Espanha e Portugal, a França era um país moderno, no sentido de uma nação integrada a um Estado. O Código Napoleônico, extenso instrumento normativo, que visava regulamentar as relações civis, foi exportado pelos franceses junto com o seu expansionismo territorial.

A Revolução Francesa proclamou direitos civis do homem e do cidadão. A declaração de direitos da Constituição francesa foi um documento inspirado na cultura política iluminista e universalista dos direitos humanos. Afirmava direitos do homem (universal) e do cidadão (francês). A nação passava a ser espaço de defesa e afirmação dos direitos humanos universais. O Império Napoleônico trouxe consigo esta tensão entre o particular e do universal. Como disse Hegel: Lá vai a razão do mundo a cavalo.

O Congresso de Viena, em sentido contrário,foi partidário da política de restauração monárquica. Quis ver os antigos reis e rainhas de volta, agora representados por seus descendentes, que teriam legitimidade de estar à frente dos aparelhos de Estado, uma atribuição historicamente admitida aos nobres. No entanto, as poucas décadas que separaram 1789 de 1815 foram suficientes para mover a história numa velocidade jamais concebida pela humanidade. Nesse quadro de mudança, a política de restauração teve como contraponto a política das nacionalidades.

Continua na próxima postagem.

domingo, 23 de maio de 2010

Política educacional e política legislativa na República liberal-democrática de 1946

O desnível entre as duas grandes áreas do campo político-pedagógico pós-Estado Novo ― formado por representantes das escolas particulares e pelos defensores da expansão da rede pública escolar ― se situava na capacidade de articulação política de cada um dos lados. Apesar de terem atingido a participação institucionalizada, que lhes coube a partir de comissões, órgãos e diretorias de destaque no planejamento e gestão educacionais; além de formarem um grupo heterogêneo, os renovadores (principal grupo de pressão a favor da expansão da rede pública escolar) tiveram dificuldades em encontrar representantes no Congresso Nacional dispostos a negociar a aprovação de projetos a favor de suas ideias, transformando a sua política sociológica em política legislativa.

Influentes na articulação com o Poder Executivo, quando este necessitava de suporte técnico para as suas decisões, os renovadores auxiliaram os ministros Clemente Mariani (governo Dutra) e Clóvis Salgado (governo Juscelino), no Anteprojeto da LDB (1947-1948) e na atualização deste com o fim de apresentá-lo junto a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados (1957). Por outro lado, entre a apresentação e a aprovação destes documentos, em território dividido pelas disputas partidárias, muito daquilo que recebera sanção dos renovadores se perde em meio a artimanhas políticas que fugiam ao seu controle.

Se formos do campo político-pedagógico ao campo político-partidário, encontraremos durante mais de uma década, contada a partir do retorno à competitividade eleitoral, a presença do deputado Gustavo Capanema (eleito pelo Partido Social Democrático, de Minas Gerais) como principal porta-voz do centralismo e do conservadorismo educacionais. Queira-se ou não, o ex-ministro da Educação (1934-1945) desempenhou papel estruturante neste campo, opondo-se às mudanças que poderiam provocar a substituição do aparato legislativo advindo do Estado Novo: a principal delas, sem dúvidas, decorrente da aprovação da LDB.

A participação política de Capanema depois da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1946, bastante influenciada por ele no seu capítulo sobre educação e cultura, caracterizou-se pelo poder de veto. Do Parecer dado em julho de 1949 à Comissão Mista de Leis Complementares, até 1958, quando cumpriu o seu último mandato na Câmara Federal, afastando-se no ano seguinte, apesar de reeleito, para ocupar a vaga de ministro do Tribunal de Contas da União, Capanema foi diversas vezes aparteado e/ou citado por parlamentares da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Libertador (PL), que o acusaram de impedir a reforma educacional. No discurso de 30 de maio de 1957, o deputado Coelho de Souza (PL) sintetizou a ação de Capanema na Câmara Federal:

“No ano de 1953 iniciou-se, então, na Comissão, a grande ofensiva no sentido de se alcançar a remessa do projeto de diretrizes e bases a este plenário. Os deputados apresentaram emendas aos vários capítulos e os relatores destes emitiram seu parecer. Ao mesmo tempo, porém, em que se intensificava na Comissão a ofensiva, reforçava-se no plenário e fora mesmo dele a contra ofensiva do nobre deputado Gustavo Capanema. Não estou fazendo nenhuma acusação ao deputado Gustavo Capanema. Não é de meu feitio nem de minha ética parlamentar acusar colegas presentes ou ausentes. Estou apenas reconstituindo fatos com um rigoroso animus narrandi, sem nenhuma glosa. Assim é que, naquele mesmo local, o deputado Gustavo Capanema, respondendo a uma interpelação do deputado Rui Santos, disse que o projeto de lei de diretrizes e bases era contra a pátria e enquanto S. Excia. exercesse a liderança da maioria nesta casa, ele não seria aprovado”.


Em artigo publicado na RBEP ao término de 1959, Anísio Teixeira refletiu sobre a paralisia do Estado provocada por este “deixar ficar generalizado”, sustentado, como veremos adiante, na primazia do PSD. O educador afirmou que tal situação levava à:

“expansão desordenada e incongruente do ensino particular, promovido por bispos e sacerdotes cheios das mais puras intenções e sem recursos, por “inocentes” campanhas de educandários gratuitos e, também, por espertos homens de empresa, como se diz hoje, que lobrigaram no abandono público uma oportunidade de lucros ou prestígios fáceis...”

Depois de Gustavo Capanema ter sido o principal moderador dos debates educacionais no legislativo federal, o deputado Carlos Lacerda (UDN-DF) roubou a cena política com dois substitutivos ao projeto da LDB, datados de 26 de novembro de 1958 e 15 de janeiro de 1959. Enquanto Capanema procurava reafirmar a unidade nacional mantendo a uniformidade dos sistemas de ensino, e com isso dando sobrevida a uma legislação incongruente face ao ânimo democrático pós-Estado Novo, Lacerda propôs reduzir a presença do Estado entregando à iniciativa particular o desafio de promover a educação democrática pelo aumento do número de vagas. Negava-se em ambos os casos o ideário renovador, seja pelo excesso ou pela falta de regulamentação estatal.